Confesso que não era sua ouvinte assídua de manhã na rádio, e à noite às vezes te assistia no telejornal, geralmente quando a hora da minha janta coincidia com o seu horário. Mas nas redes sociais, sempre curtia e compartilhava seus vídeos, pois seu estilo ímpar chamava a atenção e por diversas vezes concordei com suas opiniões.
Eu ainda não tenho palavras pra descrever exatamente a surpresa e a tristeza ao saber da sua partida tão abrupta e repentina. Esse tipo de coisa me faz pensar que a vida é um presente efêmero, como uma vela que no vento mais forte se apaga e a dessa vez foi a sua chama a escolhida…
Você conseguiu um feito marcante principalmente nos tempos atuais: uniu afetos e desafetos em torno de suas análises e construiu uma credibilidade que passou incólume à enxurrada de fake news de todos os lados . Ninguém ficou indiferente à sua partida, até quem não gostava do seu estilo jornalístico repercutiu a tristeza e a surpresa dessa notícia e todos (que apreciam o jornalismo verdade) sofrem ao saber que amanhã sua voz não ecoará pelas ondas do rádio e da TV.
Uma voz progressista que se cala no momento tão difícil que passamos neste país, a sua passagem nos faz questionar, qual o sentido da vida? e o da morte? por que as pessoas legais, úteis, íntegras estão indo embora primeiro? seria a morte justa, ao deixar a bolsa de colostomia e o Sarney vivos enquanto centenas de inocentes já morreram no Brasil, em menos de 40 dias de 2019?
Estava falando sobre isso com a minha mãe e no primeiro momento concluí que a morte é injusta, mas a minha mãe sabe das coisas e me disse uma coisa que faz sentido, a morte é muito boa então esses caras maléficos a morte não quer, porque eles merecem viver muito pra perecer nas colheitas das coisas ruins que semearam; demora pra chegar mas o Tempo é sábio e a Lei do Retorno não falha e eles precisam pagar em vida todo o mal que fizeram aos outros. A morte é um descanso, é um alívio para quem já cumpriu sua missão aqui. E sua missão foi de ser a voz de quem não sabia, ou não tinha coragem, ou oportunidade de falar umas verdades inconvenientes aos mandatários desse país e cá entre nós, você não merecia vivenciar pela segunda vez um estado de exceção e cerceamento das liberdades que já estão acontecendo e pior, regime de exceção escolhido conscientemente nas urnas. Te censurarem seria a morte em vida, então a Providência Divina ou o Acaso soube o que fez, assim como quando levou para o descanso eterno os trabalhadores de Brumadinho, os meninos do Flamengo e os moradores do Vidigal.
Seu legado é o compromisso com a verdade e os fatos, jornalismo contestador que não se contenta com meias palavras, mesmo que elas sejam oficiais. Em tempos de chapa branca, fake news ou parcialidade total da imprensa, seu jeito de ser tem que servir de norte aos jornalistas em formação e também de quem se arrisca a escrever a verdade. Embora não o tenha conhecido pessoalmente, quero agradecer por ter aparecido pra mim nos vídeos que vi e compartilhei nas redes sociais, foi um privilégio ter sido sua telespectadora durante as minhas jantas e poder dizer que fui de certa maneira contemporânea à sua estadia por aqui.
Se você se dava bem com o Geneton de Moraes, com o Otávio Frias e o Paulo Francis, certamente já poderão fazer um jornal pós-mortem, com comentários tão ácidos sobre a vida ou a morte assim como fez Brás Cubas em suas memórias, aproveita e reúne uma galera da música que já está por aí, façam um caderno cultural e contestador do (possível) marasmo do além. A gente que fica por aqui, uma hora consegue se acostumar com a sua ausência física, mas sua memória jamais morrerá. Finalizo esse pretenso obituário com os versos de Sá e Guarabyra em Mundo invisível,
“Da cabeça do homem sai a luz, que a faca não pode dividir, que a morte não leva embora, que a morte não leva”
Tchau Boechat, vai na paz!