São Paulo, Agosto de 2021
Dia 530 da Quinhentena.
06h50
A Pandemia não acabou mas a quarentena sim: a minha e de geral também.
As regras quarentênicas oficiais foram extintas hoje, menos o uso das máscaras. É o último dia do meu ano sabático, como se houvesse entre esses fatos uma combinação cósmica.
As ruas voltaram a ser o que eram antes de março de 2020, desde o início deste mês de agosto. Até tem muita gente por aí sem máscara na rua! Confesso que eu tenho me descuidado depois de tomar a segunda dose, mas só dentro do carro. Sim, estou errada eu sei, porém…
Envernizamos e naturalizamos a realidade, como se tudo estivesse igual ao que era antes, como se tudo estivesse normal. E não tivesse acontecido a Pandemia.
Também penso que ao final de cada expediente, serei eu a “farofa” a ser ensaboada contra o vírus, tenho consciência de que ainda não acabou o pandemônio.
12h15
Separei as coisas que levarei de volta ao trabalho amanhã. Sinto excitação, preocupação, sensações dialéticas que se apossam de mim às vésperas de cair no mundo.
Sinto um ânimo diferente. Com sabor de curiosidade em saber como a vida de fato está.
16h10
Estourei a bolha. Hoje estou encapsulada, amanhã estarei no meio de muita gente. E me pego pensando se farei as mesmas coisas do mesmo jeito que antes.
Tem umas que não, não quero e preciso superar.
Isso me acelera e penso em tomar um ansiolítico.
16h20
Bolei e acendi um beck.
17h49
Esta é a primeira vez que não sinto aquela tristeza de fim de férias. Por pensar nas circunstâncias sociais: estou privilegiada em poder voltar pra algum lugar e garantir o sustento da minha família. Cansei e descansei a mente. Tenho objetivos claros em relação a carreira e arduamente percebi, que às vezes é preciso recuar para avançar…
Também estou feliz por terminar esta Quarentena viva e sem ter me contaminado com essa doença e nem meus familiares que moram comigo. E os outros que tiveram, por sorte, foram quadros leves. É presunçoso afirmar que sou abençoada por isso? Ou, essa situação é apenas uma aleatoriedade do Universo?
Tantas pessoas partiram, colegas de trabalho, conhecidos. Mães das minhas amigas, tio da minha amiga. É muito dolorido você não poder se despedir adequadamente de quem ama por causa do risco de contaminação. Ter que lidar com a dor e se tornar forte, amadurecer. Florir apesar da aridez.
Um ano e meio de muitas perdas, a Morte está trabalhando muito nesta virada de década. 570 mil por Covid, outras centenas de milhares de causas diversas.
A Quarentena me deu tempo de surtar e sentir as questões que me afligem. A financeira foi a mais contundente: desabou o padrão de vida. Senti na pele que a classe média ( C em especial) é um castelo de cartas. Sem trabalho tudo se esvai…
Não fiquei desempregada de fato, mas vivi como se fosse. Meus rendimentos foram sublimados à metade por estar afastada e isso é extremamente tenso de passar, superei com arranhões. O jogo da vida é nível difícil e não tem vida extra. Qualquer vacilo já era!
Não está tudo bem, estamos desgovernados! Ao menos poder registrar e ser agente neste processo histórico, me dá uma nesga de esperança de que nossa existência tem algum sentido.
Não é possível que sofremos esse tempo todo à toa. Passamos por um vale de lágrimas nos últimos 17 meses. Maldito número!
8h47 do dia da condicional
Acordei ansiosa e fumei um baseado pra desbaratinar. Dizem pra gente que sofre de ansiedade que é só não ficar pensando que passa, jóia! Ainda não aprendi a esvaziar a mente assim. Vou exercitar o silêncio e a tranquilidade no meio do turbilhão, às seis da tarde.
Conseguirei? Ou estou sequelada demais?
Se a Quarentena rendeu escritas, pode ser que o recomeço também renda. Serve de terapia. Todos estamos sequelados (uns mais e outros menos) em consequência deste tempo de Pandemia e desgovernos.
Tá difícil viver no Brazil, o Brasil tá lascado!
10h40 do dia da condicional
Banho tomado e perfumada com água de colônia frutal, visto a minha fantasia que estava inerte por 17 meses e parece mais folgada do que antes.
11h00
Atrás de mim a porta da garagem se fecha e pela primeira vez em 530 dias, me sinto quase livre, cheia de expectativa e medo do que o mundo real me reserva…
Fim
Planeta Terra, 19 de agosto de 2021.
Século XXI d.C terceiro milênio.
Uma resposta em “Recomeço”
[…] Recomecei há um ano atrás cheia de esperança e com uma vontade sincera de ser uma pessoa melhor. Ano novo, vida nova, energias recarregadas e o resgate de uma inocência quase infantil; cheguei a acreditar que a vida fora das grades caseiras estaria melhor. […]
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